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29 de Maio de 2019

STJ autoriza recuperação de produtor não cadastrado na Junta Comercial

Nova reviravolta na recuperação judicial dos produtores rurais Alessandro e Alessandra Nicoli. Nesta semana, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Marco Aurélio Bellizze, deferiu medida liminar para suspender decisão que impedia a recuperação judicial. Em nome dos empresários, a dívida sujeita a recuperação está na casa dos R$ 134 milhões. A decisão é mais uma daquelas que traz mais lenha para fogueira de discussões inflamadas por si só. A lei exige período mínimo de dois anos de cadastro na junta comercial para que a recuperação judicial de uma pessoa física possa ser convertida em jurídica. Em geral, os empresários que entram em recuperação judicial tem o registro de empresário rural, mas não o cadastro.   O processo havia sido suspenso depois que a credora Louis Dreyfus Company (LDC) do Brasil pediu a suspensão do processo de recuperação. A LDC entrou com o recurso no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, nove dias após o deferimento pela 2ª Vara Cível da Comarca de Sinop (MT). O grupo Nicoli existe há 17 anos, atua em agricultura com as culturas de soja, milho, arroz e pastagens nas cidades de Claudia, Itaúba, Santa Carmem e Nova Canãa do Norte, todas em Mato Grosso. Alessandro Nicoli também é conhecido pela sua atividade política. Ele foi prefeito do município de Santa Carmem por dois mandatos, o mais recente entre 2013 e 2016.   Segundo nota divulgada pela assessoria da ERS Advocacia, responsável pelo caso do casal Nicoli, com a decisão do STJ o processo de recuperação judicial volta a tomar curso com as negociações coletivas com seus credores.   Conforme Allison Giuliano Franco e Sousa, advogado do caso, a decisão do STJ segue o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, que sistematicamente consolidou o entendimento defendido no mesmo recurso. Esse entendimento também se mantém nos Tribunais de Justiça do Paraná, Bahia e Goiás.   Autor: Kauna Navarro Fonte: Valor Econômico

29 de Maio de 2019

Atvos, do grupo Odebrecht, pede recuperação judicial

A Atvos, braço sucroalcooleiro do grupo Odebrecht, confirmou as expectativas e entrou há pouco com pedido de recuperação judicial. O pedido levou à 1ª Vara de Falências de São Paulo um total de R$ 15 bilhões em dívidas. Desse total, R$ 11,1 bilhões são com instituições financeiras e R$ 3,9 bilhões são débitos dentro do grupo - R$ 3,6 bilhões devidos à ODB Energia e R$ 300 milhões à holding ODB.   O pedido de recuperação judicial da sucroalcooleira já foi comunicado internamente no grupo, em carta assinada pelo presidente da holding, Luciano Guidolin. “O pedido da Atvos restringe-se a ela própria. Não envolve a Odebrecht S.A nem outras empresas do grupo. (...) A iniciativa preserva suas operações e visa garantir ambiente seguro e estável para o equilíbrio de suas contas, objetivando alcançar a sua capacidade máxima de produção nos próximos anos”, diz a nota do executivo. Desde o começo do ano, a Atvos tentava um plano para reestruturar sua dívida. O projeto inicial era cortar metade dos vencimentos e transformar essa fatia em uma espécie de debênture com participação em lucros — um título que não tem vencimento nem obrigações com juros, apenas dá direito a uma determinada parcela de dividendos futuros.   Os bancos condicionaram essa aprovação à venda do controle da Atvos. Contudo, mesmo com propostas em análise, a discussão sobre a venda é mais longa do que demanda a urgência financeira do negócio.   A situação se tornou mais delicada no começo deste mês, após uma vitória judicial do fundo LoneStar — que emprestou cerca de R$ 1 bilhão à Atvos para capital de giro no ano passado, com garantia na produção de cana. A Justiça determinou que a Atvos deposite 65% da venda de etanol em favor desse credor.   A Atvos fez uma primeira reestruturação de dívida em 2016. Na ocasião, alongou vencimentos, mas não os juros. A companhia não conseguiu arcar com o serviço da dívida e está inadimplente desde o segundo semestre do ano passado.   Foi nessa reestruturação de 2016 que a Odebrecht deu as ações que possui de Braskem em garantia aos bancosItaú, Bradesco, Banco do Brasil, BNDES e Santander pela primeira vez. Isso porque parte dos vencimentos da Atvos foram transferidos para a holding, que aportou R$ 2 bilhões no negócio.   A Atvos, cujo foco é a produção de etanol, é uma das maiores empresas do segmento sucroalcooleiro do país. Tem capacidade para moer 37 milhões de toneladas de cana por safra, mas vem operando com grande ociosidade. A empresa fechou a safra 2017/18, quando processou menos de 26 milhões de toneladas, com lucro líquido de R$ 308,3 milhões, garantido por compensações tributárias. A receita líquida da companhia alcançou R$ 4,2 bilhões na temporada.   Autor: Graziella Valenti Fonte: Valor Econômico  

13 de Maio de 2019

STJ mantém recuperação com prazo de pagamento superior ao previsto em lei

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: "A linha argumentativa desenvolvida pelas requerentes possui considerável grau de plausibilidade" As empresas Líder Telecom e Prime Net Informática, que estão em processo de recuperação judicial, conseguiram restabelecer no Superior Tribunal de Justiça (STJ) os efeitos do plano de pagamento aprovado pelos credores em setembro de 2017. Esse caso tem uma peculiaridade importante: é um dos poucos com prazo de quitação de dívidas trabalhistas superior aos 12 meses previstos na Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101, de 2005). O plano de pagamento aprovado em assembleia-geral pelos credores das empresas, que pertencem ao mesmo grupo econômico, prevê aos trabalhadores quitação sem deságio e em até 60 parcelas. A primeira parcela 45 dias após a publicação da decisão homologatória da Justiça. Em razão do prazo estendido, o plano havia sido anulado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Os desembargadores, por maioria de votos, consideraram a forma de pagamento dos créditos trabalhistas ilegal e determinaram que uma nova proposta fosse elaborada e submetida à assembleia pelos credores. A Líder Telecom e a Prime Net Informática apresentaram recurso ao STJ. O que conseguiram, neste momento, foi uma liminar do ministro Paulo de Tarso Sanseverino para suspender os efeitos do acórdão do tribunal paulista. Para evitar "a realização de atos processuais custosos e que poderão se mostrar desnecessários caso haja o provimento do recurso", justificou o ministro (tutela provisória nº 2.025). O ministro não analisou o mérito da questão. Não afirmou, por exemplo, se o prazo superior ao previsto na Lei nº 11.101 pode ou não ser aplicado. Sanseverino limitou-se a dizer que "a linha argumentativa desenvolvida pelas requerentes [empresas] possui considerável grau de plausibilidade", o que seria suficiente para amparar o pedido de liminar. As empresas conseguiram a autorização para seguir adiante com o plano que foi aprovado pelos credores, na primeira instância da Justiça, porque o caso foi considerado excepcional, em razão do passivo trabalhista. São mais de R$ 150 milhões em débitos somente com os trabalhadores. É a maior dívida que as empresas têm. O montante supera, por exemplo, o que é devido aos credores quirografários - geralmente a classe de maior volume em quantidade e valores nos processos de recuperação judicial. "O plano foi aprovado dessa forma porque é dessa forma que pode ser cumprido. Teve 100% de aprovação dos trabalhadores e a adesão dos sindicatos", diz o representante das empresas no caso, o advogado Marcus Vinicius Vita Ferreira, sócio do escritório Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados. Esse caso chegou ao TJ-SP por meio de contestações apresentadas ao plano por credores quirografários. Eles não abordavam a questão trabalhista e desistiram do processo antes do julgamento. Os desembargadores decidiram, mesmo assim, analisar o plano de pagamento das empresas e se manifestaram, de ofício, sobre o prazo que havia sido fixado para os trabalhadores. Os magistrados entenderam que, por estar em desacordo com o artigo 54 da lei - que fixa o prazo de 12 meses aos trabalhistas -, o plano deveria ser anulado. "O referido dispositivo legal tem natureza cogente, o que acarreta o conhecimento, de ofício, de eventuais violações, exatamente como se deu no caso", afirmou o relator do processo no TJ-SP, o desembargador Alexandre Marcondes. O parágrafo único do artigo 54 também prevê que o plano não pode estipular prazo superior a 30 dias para o pagamento de créditos trabalhistas de até cinco salários mínimos, referentes aos três meses anteriores ao pedido de recuperação judicial. As companhias questionam, no STJ, a interferência do Judiciário no acordo que havia sido firmado com os credores e afirmam que a decisão da assembleia deveria ser soberana. Alegam ainda que houve a desistência da ação pelos quirografários e que, mesmo se levada adiante e tratasse da questão trabalhista, não teriam legitimidade para discutir questão de outra classe. Elas chegaram a elaborar um novo plano, em cumprimento à decisão do tribunal paulista, e uma nova assembleia-geral ocorreria no dia 24 deste mês. Com a liminar, porém, o evento foi cancelado e os credores começarão a receber conforme o plano de pagamento já aprovado, de acordo com o advogado das empresas. Ambas entraram em processo de recuperação judicial em setembro de 2016, com dívidas de R$ 295 milhões. Apesar de prazos tão alargados não serem comuns nos processos de recuperação, vêm se tornando frequentes os casos em que as empresas oferecem opções aos trabalhistas. Por exemplo: pagamento com desconto em 12 meses ou sem desconto em um prazo maior. E há situações ainda de limitação dos valores - até determinada quantia a quitação será em 12 meses e o que superar o montante estabelecido será pago em mais vezes. Especialista em recuperação e falências, o advogado Julio Mandel, sócio do Mandel Advocacia, entende que a questão envolve direito disponível. Por esse motivo, devedora e credores poderiam entrar em acordo sobre a forma que entendem como a mais adequada. "Baseando-se na situação do caso concreto, pode-se aplicar o prolongamento do prazo", entende. "A situação de quebra seria bem pior para todos os credores e contraria o espírito da Lei de Recuperação Judicial", acrescenta Mandel.   Autor:  Por Joice Bacelo Fonte:  Valor Econômico | Empresas

30 de Abril de 2019

Mais crédito para a recuperação judicial

Ao contrário do que possa residir no imaginário do senso comum e - por incrível que pareça - até mesmo de alguns órgãos da administração pública, o regime da recuperação judicial quase não altera os poderes da gestão da empresa, previstos em seu respectivo estatuto ou no contrato social. Em recente julgamento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) traçou em contornos claros a interpretação do art. 66 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005), que cuida da limitação de poderes de administração da empresa em recuperação judicial - ou do devedor, como chama a Lei -, digna da atenção do mercado das factorings e Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCS). No recurso especial de relatoria da ministra Nancy Andrighi (REsp 1.783.068-SP), a 3ª Turma do STJ à unanimidade consagrou o que a lei já dizia de forma muito clara: a vedação legal de alienação e oneração de ativos se restringe exclusivamente a bens e direitos do ativo permanente da empresa. Sendo assim, a celebração de contratos de factoring -que implica tecnicamente em alienação de créditos do ativo circulante ou realizável a longo prazo não depende de autorização judicial ou de previsão no plano de recuperação judicial. Só restaram as factorings e os FIDCs que, por sofrerem menor regulação, atendem à demanda por crédito das empresas em crise. No primeiro julgamento sobre o tema, ao cuidar de caso concreto envolvendo a celebração de contratos de factoring por empresa em regime de recuperação judicial, o STJ delineou conceitos ainda mais abrangentes. Esclareceu o Tribunal que a alienação ou oneração de bem ou direito que não componha o ativo permanente, na definição da redação original do art. 178 da Lei nº 6.404/76 (Lei das S/A), não depende de prévia autorização do Judiciário. Isso compreende, por exemplo, cessão de direitos creditórios, venda de bens móveis ou imóveis do estoque da empresa etc. O caso julgado pelo STJ consertou o equívoco de interpretação das instâncias originárias em pedido de recuperação judicial requerido por indústria têxtil sediada no Estado de São Paulo. Em decisões de primeiro e segundo graus, o Tribunal do Estado de São Paulo dera interpretação elástica ao art. 66 para proibir a empresa de praticar atos jurídicos que não guardem relação com seu objeto social, sem prévia autorização do juízo, especialmente contratos de fomento mercantil. O enunciado do art. 66 apenas limita a alienação de bens do "ativo permanente", que, pela interpretação do STJ, tratam tão-somente das contas contábeis "investimentos", "ativo imobilizado" e "ativo diferido".  Não poderia ter havido melhor solução, a uma porque, tratando-se de norma que impõe limitações à atividade do devedor, recomenda a hermenêutica jurídica que sua interpretação seja restritiva, jamais ampliativa; a duas porque limitação maior engessaria a atividade da empresa e, em última análise, frustraria os princípios da preservação da atividade econômica e da função social da empresa, consagrados no art. 47 da LFRE. A decisão do STJ deixa uma lição ainda maior: não se pode a pretexto de aumentar o controle e a fiscalização judicial sobre a empresa, sequestrar-lhe o que é vital para sua viabilidade, a habilidade gerencial e estratégica do gestor e a agilidade na execução das decisões empresariais. Como a lei percebeu que faltava ao Judiciário, por não lhe ser própria, a cognição empresarial e econômica, entregou ao devedor e aos credores a solução negociada da crise, submetendo à assembleia geral de credores o plano de recuperação e o futuro dos seus créditos e igualmente da empresa. Sem falar que o processo decisório jurisdicional não acompanha a velocidade do processo decisório empresarial e não poderia ser diferente, já que possuem propósitos bem distintos. De igual modo, a lei confiou ao empresário a capacidade de melhor gerir o negócio, realizando atos e contratos finais e intermediários à consecução dos objetivos da sociedade. A fiscalização é realizada legalmente pelo administrador judicial e naturalmente pelos credores, que são agentes de mercado interessados. A relevância e repercussão da decisão do STJ é tão grande, que, se a conclusão fosse em sentido diverso, além de reduzir o mercado de atuação das factorings e FIDCs, que hoje são importantes veículos de crédito no país, fulminaria de vez as condições de obtenção de capital por empresas em recuperação judicial. A lei não escapa à crítica de gerar pouco estímulo à concessão de capital novo, ainda que haja propostas de alteração legislativa para suprir essa omissão. Por sua vez, o Banco Central, obviamente preocupado com a higidez do sistema financeiro, recomenda aos bancos, via regulamento, notas nada atraentes a créditos de empresas em recuperação, gerando provisões de perda. Só restaram as factorings e os FIDC, que, por sofrerem menor regulação, atendem à demanda por crédito das empresas em situação de crise em mercado cada vez mais relevante. A decisão do STJ, portanto, conforta esses agentes, as empresas em regime de recuperação judicial e muitos daqueles que se dedicam à prática e ao estudo do direito da insolvência.   Autor: Rodrigo Cahu Beltrão Fonte: Valor Econômico

25 de Abril de 2019

O perfil da recuperação judicial em São Paulo

Como ocorre em toda crise econômica, e a atual já dura meia década (três anos em recessão e dois com crescimento medíocre) e ainda não acabou, o número de empresas que entram em recuperação judicial (RJ) ou sofrem falência cresce de maneira significativa. Este é o resultado dramático de decisões equivocadas, em geral, tomadas em Brasília: milhares de empresas e seus fornecedores quebram, credores sofrem calote, milhões de pessoas perdem o emprego e a arrecadação de tributos encolhe, diminuindo a capacidade da União de prestar serviços públicos. No Brasil, como se sabe, abrir e fechar uma empresa são tarefas igualmente difíceis. Muitas companhias se tornam inadimplentes (com fornecedores, clientes e o Fisco) e, mesmo assim, seguem funcionando por muito tempo. Uma das razões é a existência de dispositivos legais inexequíveis para recuperar negócios que enfrentam, muitas vezes, dificuldades temporárias. As regras, em vez de facilitar, dificultam excessivamente a recuperação das companhias, principalmente, das micro e pequenas. Do total de 906 processos de RJ ocorridos no Estado de São Paulo entre janeiro de 2010 e julho de 2017, 92 (10,1% do total) foram requeridos por microempresas (ME), 94 (10,3%) por empresas de pequeno porte (EPP), 182 (20%) por grupos societários e 538 (59,3%) por médias e grandes empresas. Observatório da Insolvência estudou RJs de SP de 2010 a 2017 A leitura desses números mostra, portanto, que o contingente de empresas mais numeroso da nossa economia é o que menos requer recuperação judicial. As explicações para esse fenômeno seriam o custo dos processos - tanto em relação às despesas diretas com custas, advogados, assessores e administrador judicial, quanto pelo custo reputacional de assumir dificuldades publicamente -, o excesso de burocracia e, possivelmente, a dificuldade de acesso a crédito. O não recurso à RJ consolida uma característica muito forte das micro e pequenas empresas - operar na informalidade, mesmo tendo registro nos Fiscos municipais, estaduais e federal. "Existe uma desproporção entre a distribuição geral das pessoas jurídicas registradas perante as juntas comerciais (em situação de crise ou não) e a distribuição das pessoas jurídicas que requerem a recuperação judicial. No registro das juntas preponderam as micro, pequenas e médias, enquanto nos processos de recuperação há maior concentração de empresas de grande porte", diz Ivo Waisberg, do escritório Thomaz Bastos, Waisberg e Kurzweil. Ao lado do juiz Marcelo Barbosa Sacramone, do também advogado Marcelo Guedes Nunes e do estatístico Fernando Corrêa, Waisberg lidera inédita e valiosa pesquisa sobre os processos de RJ em São Paulo. A primeira, com foco nos processos abertos apenas nas varas de Justiça da capital paulista, foi concluída em 2016. A segunda rodada, que será divulgada na sexta-feira, incluiu as varas do interior do Estado. O trabalho constitui a segunda fase do Observatório da Insolvência, iniciativa do Núcleo de Estudos de Processos de Insolvência (NEPI) da PUC se São Paulo e da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ). O objetivo é levantar e analisar dados sobre empresas em crise que recorrem ao Poder Judiciário para tentar se recuperar ou, na pior hipótese, sere liquidada. Os resultados podem ajudar os legisladores a formular leis mais realistas que facilitem a recuperação e, quando for o caso, a falência de companhias em crise. A falta de dados concretos das RJ realizadas no país - e de muitos outros aspectos da vida nacional - leva o parlamento a elaborar, com base apenas em interesses de grupos específicos e a experiência de poucos profissionais que atuam no setor, leis inexequíveis. Um exemplo: na atual de Lei de Falências (11.101), de 2005, há um dispositivo especial para, em tese, facilitar a RJ dos pequenos negócios. A pesquisa do Observatório da Insolvência mostra que, no período analisado, apenas 17,9% das EPPs e MEs adotaram essa modalidade de RJ e tiveram o plano de RJ aprovado pela Justiça. "Frente ao total de planos de recuperação, essa taxa é ainda menor. De todas as 387 negociações concluídas e analisadas no estudo, no máximo 1,8% utilizaram esse instituto", informa o estudo. A pesquisa mostra também os setores que mais recorreram à RJ entre 2010 e 2017 em todo o Estado de São Paulo. A indústria metalúrgica respondeu por 128 pedidos (14%), seguida pelo setor de varejo com 99 casos (10,9%), alimentos com 85 (9,3%), indústria em geral com 81 (8.9%), atacado com 78 (8.6%), imobiliário com 41 (4,5%), logística com 30 (3,3%), gráficas e comunicação com 15 (1,6%), álcool e cana com 13 pedidos (1,4%), confecção de roupas com seis (0,7%), agência de viagens com quatro (0,4%), informática com quatro (0,4%), segurança privada também com 4 (0,4%) e terceirização com três casos (0,3%). O estudo revela características financeiras das RJs que pormenorizam expectativas existentes antes do levantamento estatístico, mas, ao mesmo tempo, revelam curiosidades que contrariam o senso comum predominante até agora. No primeiro caso, está o fato de que, nos casos de planos de RJ aprovados, apenas 20% das dívidas das empresas em recuperação são pagas integralmente à classe 3 de credores (quirografário ou sem garantia, o crédito simples); o percentual sobe para 30% em se tratando da classe 2 (com garantia real). No segundo caso, estão os prazos para pagamento de juros das dívidas reestruturadas às classes 2 e 3: eles são praticamente idênticos - 55,8% e 53,1%, respectivamente, entre cinco e dez anos. Outro dado interessante: cerca de um terço dos 906 casos de RJ ocorridos entre 2010 e 2017 não teve cobrança de juros. Dos planos de RJ aprovados até 2016, 57,1% ainda não foram concluídos, sendo que 18,2% das empresas saíram do plano e 24,7% faliram ao cumpri-lo. Das empresas que faliram ou das RJ que acabaram, 42% saíram da RJ. Após a aprovação do plano, o arquivamento da RJ ocorre, em caso de falência, no prazo de 1,77 ano (esta é a mediana). Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras.   Autor:  Por Cristiano Romero Fonte:  Valor Econômico | Brasil  

16 de Abril de 2019

Recuperação judicial deve dar segurança jurídica ao agronegócio

Muito embora a Lei 11.101/05 apresente disposições claras e expressas acerca das regras que norteiam os procedimentos da recuperação judicial, o que se observa nos mais de 13 anos desde sua entrada em vigor é que muitas flexibilizações vêm sendo permitidas, ainda que contrárias ao texto expresso da lei, para que se viabilize a superação da crise econômica do devedor. Nesse cenário, mais uma nova tentativa de se contornar disposição absolutamente clara tem começado a surgir com maior frequência no cenário das recuperações judiciais, qual seja, a busca do produtor rural pelo beneplácito legal sem o preenchimento dos requisitos do artigo 1º e do “caput” do artigo 48 da Lei, os quais limitam a aplicação do diploma recuperacional ao empresário ou sociedade empresária que exerça suas atividades de forma regular há mais de dois anos antes do pedido. Para fins de contextualização, rememora-se apenas que muitos produtores rurais buscam se valer da recuperação judicial sem, no entanto, ostentarem posição equiparada a de empresário exigida pela Lei 11.101/05 ou, ao menos, sem a ostentarem pelo período legal de mais de dois anos. Lembre-se que tal equiparação não se origina do mero exercício da atividade rural de forma organizada para a produção ou a circulação de bens, mas da inscrição dos produtores no Registro Público de Empresas Mercantis (registro na Junta Comercial), conforme disposição expressa do artigo 971 do Código Civil. Não se pretende neste artigo aprofundar os fundamentos e teses em que se acredita estar calcada a necessidade da imposição de freios à aceitação de uma flexibilização ou de contornos a tais dispositivos, o que já foi feito em inúmeros e recentes estudos sobre o tema – mas sim demonstrar como vem reagindo a jurisprudência pátria acerca do tema, assim como quais os desdobramentos que estão ocorrendo para os produtores rurais que sempre atuaram como pessoas físicas e, agora, começam a adotar as formalidades exigidas com o escopo exclusivo de requerer recuperação judicial. Em que pese as escassas vozes dissonantes e alguns julgados isolados, já se verifica que a maior parte dos tribunais do país tem colocado freios a flexibilizações e fixado dois pilares básicos sobre o tema do produtor rural, para a aplicação e intepretação dos requisitos estabelecidos pela Lei 11.101/05, quais sejam: i) o produtor rural tem a faculdade de exercer suas atividades sem a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, mas se assim o fizer fica enquadrado no conceito de empresário irregular na acepção do conceito do “caput”, do art. 48, da Lei 11.101/05 e ii) a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis tem caráter constitutivo, iniciando-se do referido ato a contagem do prazo de 2 (dois) anos previsto no citado art. 48.[1] Com efeito, o Tribunal de Justiça de São Paulo analisa a matéria desde 2009 sempre com rédeas curtas e obstando recuperações judiciais que não observem os referidos pilares, a exemplo dos precedentes nos recursos: (i) Agravo de Instrumento 0343412-93.2009.8.26.0000; (ii) Apelação 9084484-77.2009.8.26.0000 e; (iii) Agravo de Instrumento 9031524-47.2009.8.26.0000. Alguns acórdãos são encontrados no sentido oposto, mas com ostensiva ressalva e citação à corrente majoritária que observa os princípios supracitados. Importante destacar, ainda, as decisões do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, Estado predominantemente rural, que são categóricas ao exigir do produtor rural que preencha o requisito do registro prévio de dois anos como condição para o pedido de recuperação judicial, citando-se a título de exemplo os julgados nos agravos de instrumento: (i) 0077439-95.2009.8.11.0000 - 77439/2009; (ii) 0097224-67.2014.8.11.0000 - 97224/2014; (iii) 0137388-40.2015.8.11.0000 – 137388/2015 e; (iv) 1001742-07.2016.8.11.0000. No mesmo sentido, encontra-se precedentes também nos Estados da Bahia (a exemplo do agravo de instrumento 0014103-07.2017.8.05.0000) e Rio Grande do Sul (a exemplo da Apelação Cível 70071667604). O Tribunal de Justiça de Goiás, outro estado em que a atividade rural é pujante, passou a intensificar, em meados de 2018, essa corrente majoritária, a exemplo dos julgados nos Agravos de Instrumentos 5094889.05.2018.8.09.0000, 5084821.93.2018.8.09.0000 e 5100130.57.2018.8.09.0000 – marcando seu posicionamento quanto à exigência do registro prévio de 2 (dois) anos para a possibilidade do produtor rural se valer da recuperação judicial. A matéria chegou também ao Superior Tribunal de Justiça. Em 2013, a Corte Superior apreciou o REsp 1.193.115-MT e, em que pese a divergência inicialmente instaurada entre os Ministros, o posicionamento vencedor, por 4 votos a 1, foi no sentido de exigir a comprovação do registro na Junta Comercial, não bastando a invocação do exercício, meramente de fato, da atividade rural. Em abril de 2016, o STJ adotou o mesmo posicionamento na Tutela Provisória de 11.376. E também no julgamento do REsp 1.578.579/MT, em novembro de 2017. Como consequência dos referidos julgados, alguns produtores rurais começam a se ater à orientação dos tribunais, efetivamente ajuizando processos de recuperação judicial após o registro na Junta Comercial competente e depois de transcorrido o biênio legal. Por outro lado, sem a mesma coerência, pleiteiam a inclusão, no processo recuperatório, de dívidas que contraíram na qualidade de pessoas físicas, anteriormente à constituição de personalidade dentro do regime equiparado ao empresário, originado, como visto, da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis (artigo 971 do Código Civil). Assim, com base nos mesmos fundamentos e princípios dos julgados acima abordados, começam a ganhar corpo os precedentes estabelecendo que o produtor rural que atuava na informalidade sem o registro na Junta Comercial, mas que assim o fez, posteriormente, e aguardou o transcurso do prazo de 2 anos, poderá requerer a recuperação judicial. Porém, não poderá sujeitar a esse processo os créditos que contraiu na época em que contratava como pessoa física/natural, sem o registro empresarial (não equiparado a empresário) - a exemplo dos acórdãos do final do ano de 2018, provenientes dos agravos de instrumento 1012593-71.2017.8.11.0000 e 1012691-56.2017.8.11.0000 do Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Essa posição, além de lógica, mais uma vez se baseia no caráter constitutivo da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. Isto é, a personalidade do produtor rural equiparado a empresário somente nasce quando do implemento de tal inscrição, sendo evidente que os atos (contratos) praticados enquanto pessoa física (um não empresário, que não pode se submeter a uma recuperação judicial) não podem ficar sujeitos ao processo de recuperatório. É certo que o produtor rural sem registro aufere diversos benefícios por tal situação, como melhores condições fiscais[2], previdenciárias[3] e formais (sequer leva a público balanços e toda a documentação que deve se tornar disponível com o registro em Junta comercial). Ademais, o produtor rural que atua como pessoa física, transmite aos seus contratantes a certeza de que as suas relações jurídicas são reguladas pelo direito civil ordinário e não pela legislação empresarial específica, como é o caso da Lei 11.101/05 aplicável ao empresário e sociedades empresárias. Com efeito, não poderia o produtor rural obter da justiça a chancela do melhor dos mundos nos dois regimes, isto é, auferir todos os benefícios da informalidade do produtor rural atuante como pessoa física e depois, com a constituição de pessoa jurídica empresária, sujeitar terceiros com quem contratou em seu regime anterior a um processo típico empresarial, que é o da recuperação judicial. Não é lógico e razoável que os contratantes, notadamente aqueles que se tornaram credores de uma pessoa física, repentinamente tenham seus créditos incluídos em processo recuperacional, de pessoa jurídica empresária constituída a posteriori. Os acórdãos dos recursos mencionados acima do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, apresentam importante excerto a esse respeito, verbis: “Sopesadas as circunstâncias, não se afigura razoável que um crédito analisado e concedido à produtor rural (não empresário) possa se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial somente porque se registrou para ser equiparado a empresário em momento posterior. O que não se mostra razoável, portanto, é que o devedor possa se valer, cumulativamente e no mesmo período, do que há de conveniente no regime pretérito (vantagens do regime não empresarial) e atual (recuperação judicial, exclusiva do regime jurídico empresarial art. 1º da Lei nº 11.101/05, ainda que por equiparação), porquanto acaba por criar um terceiro regime não previsto em lei e fora do espectro de avaliação pelos credores, que sequer cogitavam, na ocasião, da possibilidade de ter seu crédito sujeito a relevantes alterações.” E esse já havia sido o posicionamento exarado em recente acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, por unanimidade dos votos exarados pelos Des. Carlos Dias Motta, Cesar Ciampolini e Alexandre Lazzarini – AI 2028287-46.2017.8.26.0000, bem como pela originária Câmara Especial de Falências e Recuperações do mesmo Tribunal no AI 9031524-47.2009.8.26.0000 (retro citado). E da mesma forma, já se manifestou o Tribunal de Justiça da Bahia, em agosto de 2018, podendo ser extraídas as seguintes e categóricas lições ao longo do acórdão do AI 8003980-71.2018.8.05.0000: “(...) É fácil concluir, portanto, que o produtor rural não pode se beneficiar de dois regimes jurídicos, isto é, exercer as suas atividades como pessoa natural, só o regime jurídico de direito civil (sem inscrição na Junta Comercial), e, posteriormente, inscrever-se na Junta Comercial, para iniciar processo de recuperação, instituto típico do regime jurídico de direito das empresas. (...) Durante todo esse período, portanto, usufruíram do tratamento fiscal mais benéfico outorgado pela legislação ao produtor rural pessoa física, destacando-se a apuração diferenciada do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, conforme a Seção VII do Decreto nº. 3000/99. Outrossim, por mais de uma década, estiveram livres das obrigações impostas pela legislação aos empresários. Na realidade, os agravados só optaram pela inscrição na JUCEB em 14/12/2015, após serem cobrados judicialmente por dívidas milionárias contraídas junto a fornecedores e instituições financeira, sendo imperioso destacar que, poucos meses depois, mais precisamente em 01/03/2016, ajuizaram a primeira ação de recuperação judicial, na Comarca de Brasília/DF (processo nº. 2016.01.1016510-7). (...) E de outra forma não poderia ser, afinal, haveria clara violação ao princípio da segurança jurídica se o produtor rural pudesse celebrar contratos e contrair dívidas como pessoa física, para, no dia seguinte, tornar-se empresário individual e buscar a aplicação dos benefícios previstos na Lei de Falência, obstando, assim, as ações individuais de execução ajuizadas pelos seus credores. (...) Aliás, isso nem seria juridicamente possível, pois, diante da natureza constitutiva do ato de inscrição da Junta Comercial, a mudança para o regime jurídico de direito empresarial opera efeitos ex nunc, isto é, prospectivos, pelo que não pode retroagir para afetar situações pretéritas, constituídas sob regime jurídico diverso, de direito civil.” Como se vê, os julgadores tiveram a sensibilidade de interpretar a legislação vigente e também buscar coibir as atitudes oportunistas que, ao longo do acórdão, são classificadas ainda como violadoras do princípio da boa-fé e caracterizadoras do abuso de direito, “por desvio de finalidade do instituto da recuperação judicial”, com fundamento nos artigos 187 e 422, do Código Civil. A questão acaba de chegar ao STJ, tendo como origem a citada recuperação judicial do Mato Grosso, de onde se extraiu o excerto acima transcrito, por meio de Tutelas Provisórias requeridas pelos produtores rurais – visando obter efeito suspensivo aos Recursos Especiais que interpuseram na origem. Nessas Tutelas Provisórias, foi requerida a suspensão de atos executórios de dívidas excluídas da recuperação judicial – em razão de terem sido contraídas junto aos credores pelas pessoas físicas dos produtores rurais, antes do registro na Junta Comercial. Após um embate preliminar sobre competência, restou reconhecida a prevenção do caso ao ministro Marco Buzzi. Assim, na Tutela Provisória 1937/MT, em 27 de fevereiro, o ministro Marco Buzzi rejeitou o pedido de efeito suspensivo dos requerentes, reforçando os pilares de sustentação da jurisprudência atual, para destacar seu entendimento de que há situação irregular das atividades do produtor rural que não se registra na Junta Comercial, bem como para ressaltar a natureza constitutiva (não meramente declaratória) que tal medida proporciona. Portanto, o que se extrai acerca da discussão em torno desta matéria é que, além da jurisprudência majoritária preocupar-se com a correta aplicação do texto legal, a fim de conferir segurança a todos os envolvidos, visa também desestimular condutas oportunistas – daqueles produtores rurais que, por longos anos atuaram informalmente e contrataram como pessoas naturais por opção, súbita e claramente formalizam seu registro com o exclusivo escopo de obter as benesses de uma recuperação judicial. Considerando a relevância da atividade agrária no Brasil, espera-se que se consolide o majoritário entendimento da jurisprudência ora abordada, em nome de um bem muito maior do que uma ou outra recuperação judicial pontual, isto é, em prol do estímulo ao registro e à regularização dos produtores rurais de nosso país, visando a profissionalização de nicho tão expressivo da economia e a segurança jurídica das relações contratuais que desse cenário emanam - como exemplarmente ressaltado pelo ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em seu voto no julgamento do REsp 1.193.115 – MT[4]. [1] O Caráter constitutivo do registro já é algo consolidado desde a III Jornada de Direito Civil - Enunciado nº 202. [2] Decretos 3.000/99 e 9.580/18 [3] REsp 1503711/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 24/03/2015. [4] “(...) A minha preocupação é com a formação de um precedente acerca dessa matéria, que inovaria substancialmente em relação ao quadro atual do Direito Brasileiro. O STJ tem como característica ser um "tribunal de precedentes". (...) Deve-se estimular o registro e a regularização das empresas agrárias pelos agricultores brasileiros, como, aliás, é permitido no Código Civil de 2002, de modo, inclusive, a tornar mais profissional essa atividade fundamental para a economia brasileira (...)”   Autor:  Felipe de Moraes Costa, Milena Grossi dos Santos Meyknecht e Bruno Chiaradia Fonte:  Consultor Jurídico