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21 de Maio de 2018

Remédio ao Produtor Rural

Não é de hoje a importância do agronegócio no PIB brasileiro, sobretudo no Estado do Rio Grande do Sul. No entanto, diante da grave crise politica e econômica que assolou o Brasil em 2015, este setor vem sofrendo ano a ano uma forte retração de renda. Este cenário é reflexo de uma combinação de fatores: oferta recorde de produtos agropecuários, preços internacionais baixos, taxa de câmbio, baixa demanda interna e, sobretudo, dos efeitos nefastos do crédito com a mais alta taxa de juros do mundo. Mesmo com esta soma de razões bombasticamente nefastas, a maior parte das empresas que compõem a cadeia produtiva e que se veem enfraquecidas pelo endividamento têm ao seu dispor o remédio da recuperação judicial, como forma de "...permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica." (art. 47 da Lei 11.101/2005). Inobstante mais de 13 anos de vigência da Lei, o produtor rural pessoa física, mesmo agonizando em dívidas, vinha sendo impedido do uso deste medicamento legal, simplesmente porque a mesma norma prevê como caráter constitutivo da condição de empresário o requisito burocrático de "possuir registro na Junta Comercial há pelo menos dois anos" – ainda que há muito mais tempo já fosse empresário. Em que pese a relevância e o inegável benefício social e econômico que seria permitir ao produtor rural se valer do instituto da recuperação judicial para reestruturar seu passivo, fato é que não havia nenhuma grande evolução sobre o tema como a externada recentemente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (Agravo de Instrumento nº 2251128-51.2017.8.26.0000 – DJ de 11.05.2018), em que reconheceu a produtores rurais, com registo de menos de dois anos, o direito à recuperação. Chegou o momento de enfrentar o problema. Os produtores rurais precisam ter acesso pleno ao sistema legal de reestruturação de suas dívidas e o Poder Judiciário, em especial o do Rio Grande do Sul, – que sempre teve protagonismo nas questões ligadas ao agronegócio – deve dar uma resposta a altura, a fim de relativizar e permitir o soerguimento desta combalida atividade, fundamental para o desenvolvimento econômico e social do Estado e da Nação.   Por João Medeiros Fernandes Jr  

05 de Abril de 2018

Uma perspectiva fiscal sobre a reforma da lei de recuperação de empresas

Por Daniel Báril e Guilherme Queirolo Feijó Quando o fatídico ano de 2016 alcançava seu desfecho, o Ministério da Fazenda, por meio da Portaria 467, instituiu um grupo de trabalho “com a finalidade de estudar, consolidar e propor medidas voltadas ao aprimoramento da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e de outros instrumentos legais associados aos temas de recuperação e falência de empresas”, contando com a participação de representantes do Ministério da Fazenda, do Banco Central do Brasil e de especialistas com notória especialização na área. Após profícuos debates — e considerando o limitado “prazo para conclusão dos trabalhos de 120 (cento e vinte) dias” —, o grupo apresentou sua proposta de melhoria aos regimes de crise das empresas ao Ministério da Fazenda. Desde então, os stakeholders envolvidos com o tema da insolvência (empresários, advogados, economistas) aguardam ansiosamente o desenlace do tema, eis que foi sem precedentes a crise (institucional, política, econômica) pela qual perpassou a nação nos últimos anos. Fato é que, ainda que se esteja em meio a contexto de reforma, a Lei 11.101/2005 — já com 13 anos de vigência — representou um marco importante no sistema brasileiro de insolvências. Reconhece-se que, em face dos novos desafios enfrentados, alguns pontos específicos da lei merecem adequação, tal qual ocorreu com as legislações estrangeiras; no entanto, em caso de reforma, há que se ter o cuidado de preservar a estrutura normativa e a importante cultura jurídica construída nesse período. Pois bem. Agora, já adentrado no ano de 2018, a informação é que o projeto se encontra finalizado, aguardando o momento político mais adequado para envio ao Congresso, conforme noticiado nos meios de comunicação. Ocorre que a versão do projeto que circula, contemplando medidas propostas pelo grupo de trabalho, inegavelmente incorporou de modo sensível características imprimidas pela pauta que é cara ao Ministério da Fazenda. Conforme sempre indicou o ministro Henrique Meirelles, o principal escopo da reforma consistiria em “facilitar o processo de retomada da atividade das empresas em dificuldade (...) e ajudar as empresas a sair da crise e superar os processos judiciais”, o que atende à vontade do governo de enfrentamento da crise. Assim, o projeto endereça temas essenciais ao mercado, dentre os quais o regramento da insolvência transfronteiriça, a liberdade para classeamento dos credores pelo plano de recuperação, o regramento da recuperação de grupos empresariais, a modificação dos critérios de cram down, o regramento das hipóteses de voto abusivo pelos credores e a vedação de distribuição de lucros aos sócios durante o processo de recuperação judicial. Entretanto, é inegável que, considerando o déficit fiscal existente, o projeto, na sua atual versão, também tem por objetivo (precípuo?) retirar o Fisco da situação paradoxalmente problemática em que se encontra nos processos de recuperação judicial regidos pela lei vigente. Isso porque o tratamento legal e jurisprudencial dispensado à Fazenda lhe fez assentar em espécie de “limbo”, que se explica, essencialmente, pela aplicação do princípio do juízo universal na recuperação judicial e, ainda, pelo entendimento há muito consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido da dispensa de apresentação de certidões de regularidade fiscal pela empresa em recuperação, que teve origem na inexistência de legislação específica que autorizasse o parcelamento das dívidas tributárias para empresas em recuperação, mas que se manteve, ainda de que maneira não consensual, mesmo após a edição da Lei 13.043/2014. Resultado disso é que, de um lado, o Fisco não tem conseguido obter a satisfação de seus créditos contra empresas em recuperação judicial por meio das execuções fiscais e, de outro, igualmente não lhe tem sido garantida a regularização dos débitos fiscais das empresas recuperandas. Com a reforma programada, porém, a situação do Fisco parece sofrer considerável alteração, com nuances preocupantes à efetividade do mecanismo de recuperação às empresas em crise. Nesse sentido, prevê-se que, ainda na fase inicial do processo de recuperação judicial — quando do deferimento do processamento da recuperação judicial —, deverá o juízo exigir prova de regularidade fiscal da devedora perante as Fazendas Públicas, sob pena de extinção do processo de recuperação judicial sem resolução do mérito. Outrossim, atribui-se maior poder à Fazenda pela outorga de legitimidade para requerer a falência do devedor que, tendo encerrado seu processo de recuperação judicial, for excluído do referido programa de parcelamento. Por fim, dispõe o projeto ser possível a efetivação de atos expropriatórios (como a constrição e a alienação de bens e direitos) ordenados pelo juízo que processe a execução fiscal respectiva, afastando a interferência do juízo da recuperação judicial nesse tocante. Diante disso, resta aguardar a evolução do trâmite legislativo, sempre passível de alterações, e, se e quando aprovado o projeto de reforma, a evolução jurisprudencial da matéria nos tribunais superiores, que fora tão relevante nestes primeiros 13 anos de vigência da Lei 11.101. Fonte CONJUR

29 de Março de 2018

A desconsideração da personalidade jurídica na recuperação judicial

Por Luis Felipe Spinelli Nos cenários de crise em que se encontram os devedores em recuperação judicial e falência, os credores tentam, por diversos meios, satisfazer o seu crédito — algo tão natural quanto a insolvência o é na economia. Particularmente no que diz respeito às sociedades que conferem o benefício da limitação da responsabilidade aos sócios (sociedade limitada e sociedade anônima), muitas vezes lança-se mão da desconsideração da personalidade jurídica, ou extensão dos efeitos de obrigações a terceiros (sócios ou administradores), para tentativa adicional do adimplemento das obrigações. Tal instituto é utilizado, por exemplo, na Justiça do Trabalho para alcançar bens de sócios e administradores e satisfazer credores trabalhistas, uma vez que tais sujeitos não são alcançados pelo juízo universal instaurado na recuperação judicial e no processo falimentar — apesar de, evidentemente, dever-se criticar o fato de que em grande parte dos casos a desconsideração é feita em desrespeito aos requisitos de direito material, isto é, o abuso da personalidade jurídica (artigo 50 do Código Civil), mas única e exclusivamente diante da insuficiência patrimonial. Apesar disso, mesmo na seara trabalhista, consegue-se encontrar precedentes que entendem que o fato de a sociedade devedora estar em recuperação judicial não permite a desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento da execução aos sócios e administradores. Mas também é possível aplicar a desconsideração da personalidade jurídica nos próprios processos de insolvência com o objetivo de recuperar bens desviados em detrimento dos credores, o que não raro demanda sofisticados mecanismos de asset tracing na busca de patrimônio indevidamente desencaminhado. Comprovada a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade, correto, então, é o uso de tal instituto em benefício do universo de credores. Observa-se a aplicação de tal expediente em algumas recuperações judiciais recentemente, enquanto que na falência já ocorre de longa data, tanto com a desconsideração episódica da personalidade jurídica para que um determinado bem (ou conjunto de bens e direitos) seja reintegrado ao patrimônio da massa falida quanto com a própria extensão dos efeitos da falência aos sócios (geralmente outras sociedades integrantes de um mesmo grupo econômico) — o que, em nosso entender, é medida extrema e que deve ser tomada com cuidado, mesmo porque enseja a consolidação substancial, concorrendo todos os credores no patrimônio de todos os devedores envolvidos. De qualquer forma, além dos requisitos materiais, é preciso respeitar os requisitos processuais para a correta aplicação da teoria. Portanto, além da comprovação do abuso da personalidade e do prejuízo do credor, é necessário instaurar incidente que garanta a ampla defesa e o contraditório, ainda que no juízo universal da recuperação judicial e da falência — o que tem sido respeitado em processos recentes. Isso, todavia, não significa morosidade ou conivência. Nesse sentido, medidas interessantes podem ser tomadas com o objetivo de operacionalizar a desconsideração, como a atribuição de poderes para que o administrador judicial assim proceda (o que já foi feito em alguns casos). Igualmente, é possível valer-se de tutelas de urgência para buscar eventual patrimônio desviado, como arresto com o objetivo de bloquear os bens enquanto tramita o procedimento incidental. E, justamente nesse sentido, apesar de o Código de Processo Civil determinar, como regra, a suspensão dos processos quando instaurado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, entendemos que o processo recuperacional e o processo falimentar, ainda que encarados como processos de execução coletiva, não podem restar suspensos. Não faz sentido suspender tais processos — que, no Brasil, já são morosos por natureza: a própria Lei 11.101/2005 buscou criar um sistema de insolvência capaz de preservar as empresas viáveis e retirar rapidamente do mercado as inviáveis, sendo que, para isso, é importante, entre outros fatores, a celeridade. É extremamente importante respeitar os requisitos materiais e procedimentais à desconsideração da personalidade jurídica nos processos de insolvência, especialmente diante das graves consequências que pode ensejar a quem sofre tais medidas. Todavia, não se pode esquecer que a marcha processual na LREF deve seguir uniformemente em direção à célere liquidação dos ativos do devedor (no caso da falência) ou ao seu soerguimento econômico (no caso da recuperação judicial). Fonte:  Consultor Juridico  

28 de Março de 2018

Acionistas não podem impedir recuperação de empresa devedora, confirma STJ

Sejam minoritários ou majoritários, acionistas não podem impedir a concessão de recuperação judicial em plano elaborado por assembleia geral de credores. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou recurso de credores do Grupo Daslu. Eles queriam barrar a recuperação concedida à companhia, mas o recurso foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo sob a alegação de falta de interesse e legitimidade recursal, já que uma das integrantes do grupo era também acionista minoritária da Daslu. Contra a decisão do TJ-SP, as autoras alegaram que a acionista não deveria ser obstáculo para os demais credores. A defesa usou como base o artigo 59 da Lei 11.101/2005, sobre o cabimento do agravo contra concessão de recuperação interposto por qualquer credor e pelo Ministério Público. Também pontuou algumas irregularidades no plano elaborado pela assembleia, mas todos foram refutados pela corte. O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do caso no STJ, votou por manter o acórdão do tribunal paulista. Cueva destacou os principais pontos do acórdão e concluiu pela soberania da assembleia geral de credores no caso. "Entendeu a corte local que, sob o argumento de que estariam exercendo controle de legalidade, os recorrentes pretendiam, em verdade, atacar a operação de transferência da UPI (unidade produtiva isolada) e da marca ‘Daslu’, matéria para a qual a assembleia é soberana, daí carecerem de interesse”, afirmou o relator. Conforme a decisão, as questões levantadas pelas apelantes, originárias de acordo de acionistas, têm caráter societário e deveriam ser tratadas em processo próprio. A acionista minoritária litigaria como parte da sociedade, e não na qualidade de credora. Com informações do Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.539.445

20 de Setembro de 2017

Quase 80 empresas têm ligação com o M.Grupo

Por Patrícia Comunello A melhor definição que o administrador judicial João Medeiros Fernandes Júnior chegou sobre o caso envolvendo o M.Grupo, no Rio Grande do Sul, é que está diante de um quebra-cabeça. E a primeira figura que o advogado, sócio da banca Medeiros & Medeiros Administração Judicial - contratada pela Justiça para cuidar da massa falida de um dos braços do império do paulista Lorival Rodrigues e seus filhos, a Magazine Incorporações - espera montar é a dos tentáculos que estão sob o guarda-chuva dos acionistas. Medeiros diz que já listou 76 empresas que teriam como sócios Lorival, o filho Ciro e a filha Camila. O advogado espera concluir até a próxima semana uma ação judicial que pedirá a extensão do decreto de falência da incorporadora às demais operações. Em agosto, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS) negou recursos que questionavam a falência da Magazine, decretada em fevereiro deste ano pela juíza da Vara de Direito Empresarial, Recuperação de Empresas e Falências de Porto Alegre, Giovana Farenzena. A magistrada acatou pedido de um dos compradores de unidades que comporiam o edifício Majestic, prometido para ser o prédio mais alto do Rio Grande do Sul e a ser erguido ao lado do Shopping Gravataí, na cidade da Região Metropolitana, mas que nunca saiu do chão. A Magazine comercializou unidades do edifício, deixando quem comprou na mão.   A busca de ligações dos acionistas com outras ramificações serve para um propósito crucial: achar ativos que possam ser revertidos para pagar credores da incorporadora. Outro detalhe neste emaranhado é que não se sabe até agora qual é o tamanho da dívida ligada à Magazine. Segundo o sócio da Medeiros & Medeiros, que entrou no caso há um mês e meio e agora atua sozinho no processo, os donos da incorporadora não apresentaram informações, livros contábeis e a lista de credores, apesar de a intimação já ter sido feita e ser obrigação da falida, sob pena de sofrer ação criminal, adianta o administrador. "Não vimos nenhuma empresa funcionando nem para pegar os livros", diz Medeiros, que se reuniu, na manhã da última terça-feira, com a juíza, na vara na Capital, para discutir o andamento do caso.  "O que sabemos é que houve deslocamento de patrimônio", diz o administrador judicial, referindo-se a ativos dos acionistas que podem ter sido movimentados para não serem usados para cobrir dívidas. "Até agora, não arrecadamos um centavo", garante o advogado. Mesmo após obter o primeiro desenho do quebra-cabeça, Medeiros precisará, admite, checar como estão as operações e quais delas têm alguma chance de gerar caixa para quitar débitos. Pelo decreto de falência, estão sujeitos à verificação e eventual uso para garantir direitos de credores todos os ativos (patrimônio, títulos, imóveis etc.) que estavam em nome da incorporadora a partir de 27 de março de 2014. "A lei manda retroagir até a data do primeiro protesto", esclarece Medeiros. "Estamos agindo com muita cautela e transparência, para resguardar direitos de quem adquiriu imóveis", adianta o administrador. O escritório busca ainda gerar o mínimo de judicialização possível, diz. O exame de ativos está abrangendo empreendimentos que se tornaram o retrato da derrocada do M.Grupo no Estado. Estão no rol complexos residenciais, flat, torres comerciais e shopping centers em Gravataí, Lajeado, Santa Cruz do Sul, parte de operação em Bento Gonçalves e em Xangri-Lá. Em cada operação, também surgem nomes de empresas criadas por Rodrigues. Parte delas, como o shopping de Gravataí, foi transferida após processos judiciais a fundos que haviam repassado recursos para lastrear empreendimentos da Magazine. O shopping foi dado de garantia. Outros ativos, como torres residenciais e comerciais em Gravataí e um flat em Porto Alegre, mesmo inacabados, foram repassados, após ações judiciais, para compradores e investidores das unidades. Eles criaram associações para tentar concluir as obras. Medeiros disse que se reunirá com os grupos para verificar se há unidades que não foram vendidas e que pertenceriam à Magazine, podendo ser levadas a leilão no futuro e, com isso, gerar capital para quitar credores. Fonte Jornal do Comércio

17 de Março de 2017

Recuperação de grupos de empresas

Por Daniel Carnio Costa A grave crise econômica brasileira colocou em destaque nos últimos anos o instrumento legal da recuperação judicial de empresas, na medida em que essa é a ferramenta oferecida pelo sistema jurídico para preservação da atividade econômica e de todos os benefícios sociais e econômicos dela decorrentes, como geração de empregos, circulação de bens, produtos, serviços e recolhimento de tributos. Ajuda-se a empresa viável a superar a crise em função dos benefícios que sua atuação gera para a economia e para a sociedade como um todo. E mais recentemente, com o agravamento da crise, o fenômeno da recuperação judicial de grupos de empresas tornou-se também uma prática comum. Grandes conglomerados de empresas vêm ajuizando pedidos de recuperação judicial em conjunto, num mesmo processo. Os tribunais sempre aceitaram com tranquilidade o ajuizamento conjunto de recuperação judicial por empresas de um mesmo grupo econômico. Entretanto, eram recuperações conjuntas que não pretendiam a utilização de todo o patrimônio das empresas do grupo para pagamento dos credores em geral, sem observação da existência de separação de suas estruturas de capital. As recuperações conjuntas visaram apenas a conveniência procedimental de se fazer a discussão dos planos de recuperação perante o mesmo juízo e sob a supervisão do mesmo administrador judicial. Mas as empresas do grupo continuavam a identificar os seus próprios credores e a propor um plano de recuperação (ou mais de um plano) que respeitava a separação patrimonial entre as empresas do mesmo grupo. É o que se chama no direito norte-americano de “joint filings”. Na medida em que a crise econômica evoluiu, passou-se a identificar atualmente o ajuizamento de recuperações judiciais de grandes grupos econômicos, com a intenção de se fazer uma consolidação substancial de seus ativos. Vale dizer, pretende-se a utilização dos ativos de todas as empresas do grupo para o pagamento de todos os credores, sem respeito às diferenças decorrentes da individualidade de cada uma das empresas que compõem o grupo econômico. Essa é a situação de fato. Mas o problema que se coloca é jurídico: não existe regra legal sobre consolidação substancial na legislação brasileira. A Lei nº 11.101/05 é absolutamente silente quanto à regulação de recuperação judicial de grupos econômicos. Cabe à jurisprudência dos tribunais exercer esse importante papel de modo a contribuir para a superação da crise brasileira Cabe, portanto, aos tribunais estabelecer as regras e definir os contornos dessas recuperações, esclarecendo quando haverá direito dos devedores de utilizar a consolidação substancial e quanto isso não será permitido. Aqui, mais um problema: a jurisprudência brasileira ainda é bastante instável quanto a essas definições. Não há uniformidade de decisões no que diz respeito à aplicação da consolidação substancial. Atualmente, é possível identificar a existência de três correntes. A primeira, mais comum, é aquela que estabelece que haverá consolidação substancial sempre que a devedora (recuperanda) for vista pelo mercado com integrante de um grupo econômico e que os seus credores, ao negociar com a devedora, levam (ou deveriam levar) em consideração a força econômica do grupo de empresas como um todo e o patrimônio das demais integrantes desse conglomerado. A segunda corrente, um pouco mais restritiva, estabelece que além de a devedora (recuperanda) ser vista como integrante de um grupo econômico pelos agentes de mercado, também é preciso que estejam presentes os requisitos autorizadores da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica – definida no Código de Processo Civil -, mormente a existência de confusão patrimonial. A terceira corrente, que vem sendo por mim aplicada na condução de casos perante a 1ª Vara de Falências, Recuperações Judiciais e Conflitos relacionados à Arbitragem de São Paulo, propõe que o juiz deverá verificar inicialmente a presença dos seguintes requisitos: a) interconexão das empresas do grupo econômico; b) existência de garantias cruzadas entre as empresas do grupo econômico; c) confusão de patrimônio e de responsabilidade entre as empresas do grupo econômico; d) atuação conjunta das empresas integrantes do grupo econômico no mercado; e) existência de coincidência de diretores; f) existência de coincidência de composição societária; g) relação de controle e/ou dependência entre as empresas integrantes do grupo econômico; h) existência de desvio de ativos através de empresas integrantes do grupo econômico. Presentes esses fatores (que não possuem relação de prioridade entre eles), a definição da existência da consolidação substancial resultará do sopesamento entre os benefícios e prejuízos que sua aplicação trará ao resultado do processo em termos sociais e econômicos. Assim, presentes os requisitos mencionados, será aplicada a consolidação substancial somente se sua aplicação for fundamental para que se consiga manter os benefícios econômicos e sociais que decorrem da preservação da atividade empresarial (empregos, riquezas, produtos, serviços, tributos etc.). A preservação dos benefícios sociais e econômicos deve prevalecer sobre o interesse particular de credores e devedores. Vale dizer, será feita a consolidação substancial se sua aplicação resultar nos benefícios mencionados, ainda que isso prejudique interesses particulares de alguns credores ou devedores. Esse raciocínio de ponderação de valores está, aliás, na base da teoria da divisão equilibrada de ônus na recuperação judicial. Essa corrente assemelha-se à liberal trend que vem sendo aplicada no direito norte-americano, onde também não existe regulação legal expressa da consolidação substancial (substantive consolidation) no Código de Falências (Bankruptcy Code). A definição de critérios de aplicação da consolidação substancial é de fundamental importância para o desenvolvimento da atividade empresarial no Brasil, na medida em que a uniformidade de entendimentos jurisprudenciais favorece à segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade de decisões, fatores esses essenciais para o estímulo ao tão necessário e desejado investimento nacional e internacional. Não havendo, ao menos por enquanto, definição legal de aplicação da consolidação substancial, cabe à jurisprudência dos tribunais exercer esse importante papel de modo a contribuir para a superação da crise brasileira. Daniel Carnio Costa é juiz titular da 1ªVara de Falências, Recuperações Judiciais e Conflitos relacionados à Arbitragens de São Paulo/SP, mestre em direto pela Fadisp, doutor em direito pela PUC-SP, mestre em direito comparado pela Samford University (EUA), pós-doutorando em direito na Universidade de Paris 1 – Panthéon/Sorbonne (França) e professor de direito empresarial da PUC-SP Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações Fonte: Valor Econômico