Notícia

STJ reforça possibilidade de consolidação substancial ser decretada de ofício

05/09/2024

voltar

Compartilhe:              

Texto de Letícia Marina da S. Moura.

 

No recente julgamento do REsp 2.001.535 - SP (2021/0270763-5), a 3ª turma do STJ proferiu acórdão relevante destacando a possibilidade de o juiz determinar, de ofício, a consolidação substancial de ativos e passivos de empresas integrantes de um grupo econômico. A decisão, que contou com o voto-vista da ministra Nancy Andrighi, reafirmou a relevância dessa medida como um mecanismo necessário para lidar com a confusão patrimonial e a interdependência financeira entre as empresas envolvidas.

 

Por trás do contexto fático da questão de direito

Em síntese, o Grupo Dolly solicitou recuperação judicial para três de suas empresas e, durante o processo, outras quatro foram incluídas sem oposição. O juiz condutor do feito à época, Marcelo Barbosa Sacramone, ao analisar a documentação contábil apresentada, constatou que as sociedades recuperandas atuam de forma integrada, sem manter isoladamente o patrimônio ou o interesse social de cada uma. No entanto, houve litigiosidade em relação à empresa Ecoserv Prestação de Serviços de Mão de Obra Ltda. Isso posto, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP assim dispôs no bojo do Agravo de Instrumento 2170879-45.2019.8.26.00001:

 

[...] Ocorre que aqui, a inclusão da empresa no polo ativo foi involuntária, tendo sido determinada "de ofício" pelo D. Juízo recuperacional, a pedido do administrador judicial e com a anuência do Ministério Público. Embora a legitimidade ativa seja resguardada ao devedor diante do caráter facultativo do pedido recuperacional, evidenciado com o termo "poderá" inserto no art. 48 da lei 11.101/05, a consolidação substancial obrigatória se baseou na existência de grupo econômico de fato (envolvendo a empresa "Ecoserv"). [...] Nesse passo, nos termos da manifestação da administradora judicial, "a inclusão em caráter de litisconsórcio ativo necessário trata-se de verdadeira questão de ordem pública, podendo ser conhecida ex officio, uma vez que visa tutelar o próprio Poder Judiciário, impedindo que seja utilizado como mero joguete para superação de uma 'seletiva' crise financeira dentro do Grupo Dolly"; do contrário se estaria a autorizar uma escolha seletiva, pelo Grupo recuperando, das empresas a compor o polo ativo da recuperação em curso com o objetivo espúrio de se desvincular dos expressivos débitos tributários e trabalhistas acumulados pela empresa "Ecoserv".  Noutro vértice, quanto à afirmação de que a "Ecoserv" estaria inativa e, portanto, inabilitada a integrar o polo ativo do pedido recuperacional, à vista da exigência contida no caput do art. 48 da lei 11.101/05 (exercício regular de atividade empresarial), constata-se que não há baixa anotada na Junta Comercial, tampouco a notícia de que tenha havido liquidação nos termos dos arts. 1.102 e seguintes do Código Civil.

 

No contexto em questão, o REsp trouxe à tona duas questões relevantes enfrentadas pelo Tribunal da Cidadania: (i) da ausência de previsão legal quanto ao litisconsórcio ativo obrigatório e (ii) do caráter facultativo do pedido recuperacional.

 

Recuperação judicial de grupos econômicos: consolidação processual e substancial

No contexto do processo de recuperação judicial, a admissão do litisconsórcio ativo requer, como premissa essencial, a identificação de um grupo econômico entre as sociedades ou empresários individuais que compõem o polo ativo.

Isso posto, identificado esse cenário, adentramos nas possibilidades de consolidação processual e substancial, que são institutos distintos e que produzem efeitos diversos no âmbito processual.

A consolidação processual consiste na possibilidade de diversas sociedades apresentarem um único pedido de recuperação judicial em conjunto. Trata-se, em essência, de um litisconsórcio ativo, em que múltiplas sociedades buscam, de forma simultânea, o processamento de suas recuperações judiciais em um mesmo processo.

Para que seja possível a consolidação processual em processos de recuperação judicial, além da comprovação da existência de um grupo econômico, conforme dispõe o art. 69-G, caput, da lei 11.101/05, é necessário que todas as sociedades integrantes do grupo atendam aos requisitos previstos na referida legislação (art. 69-G, §1º). Isso significa que cada devedor deve, de forma individual, apresentar a documentação exigida nos arts. 51 e 52 da lei 11.101/05.

Por outro lado, a consolidação substancial implica no tratamento das empresas como uma única entidade jurídica, caracterizando um litisconsórcio unitário. Nesse cenário, as listas de credores das sociedades pertencentes ao grupo econômico são integradas, e o plano de recuperação judicial é submetido a uma assembleia geral unificada, envolvendo todos os credores do conglomerado. Além da unificação das listas de credores, a consolidação substancial também resulta na extinção automática de garantias pessoais e créditos que uma empresa do grupo possua contra outra, desde que ambas estejam incluídas no mesmo processo recuperacional.

No que tange à consolidação substancial, o juiz, de forma excepcional e independentemente da realização de assembleia geral, pode autorizar a unificação dos ativos e passivos dos devedores pertencentes a um mesmo grupo econômico que estejam em recuperação judicial sob consolidação processual. Isso ocorre apenas quando houver interconexão e confusão entre os ativos ou passivos dos devedores, desde que sejam cumulativamente atendidas pelo menos duas das seguintes condições: (I) existência de garantias cruzadas; (II) relação de controle ou dependência; (III) identidade total ou parcial do quadro societário; e (IV) atuação conjunta no mercado entre os devedores (art. 69-J da Lei nº 11.101/2005).

 

Contribuições do REsp 2.001.535 - SP (2021/0270763-5) para a aplicação da consolidação substancial

Ultrapassados os requisitos básicos para a aplicação da consolidação substancial, retornar-se aos pontos enfrentados pelo STJ: (i) da ausência de previsão legal quanto ao litisconsórcio ativo obrigatório e (ii) do caráter facultativo do pedido recuperacional.

No julgamento do Grupo Dolly, o STJ, através do voto-vista da ministra Nancy Andrighi, reforçou que a consolidação substancial é um remédio de equidade à disposição do juiz. Quando constatada a confusão patrimonial entre as empresas, o juiz pode, de ofício, determinar a unificação dos ativos e passivos, independentemente da vontade das empresas envolvidas. Essa decisão visa garantir que os credores não sejam prejudicados por uma separação artificial de patrimônios que, na prática, não existe.

Sob essa ótica, ao analisar a natureza facultativa do pedido de recuperação judicial, a turma destacou que a tese defendida pelas recorrentes permitiria ao grupo empresarial escolher arbitrariamente quais ativos e passivos seriam submetidos à recuperação, o que configuraria uma manipulação das regras previstas na lei 11.101/05. Assim, reforçou que a recuperação judicial não pode ser utilizada para atender a interesses privados questionáveis, em detrimento dos direitos dos trabalhadores, do fisco e dos credores, ressaltando que o comportamento abusivo e a falta de boa-fé das recorrentes violam diretamente o art. 47 da referida lei.

Por sua vez, estabeleceu-se que a consolidação substancial ocasiona a formação de um litisconsórcio ativo necessário entre os Requerentes.

A ministra Nancy Andrighi pontuou que um processo de recuperação judicial apresenta contornos que o distanciam de uma demanda judicial tradicional, reconhecendo que não há réus nem litígio numa ação de soerguimento. Assim, na hipótese de o juiz constatar que a relação jurídica de direito material exige a formação de litisconsórcio ativo necessário (como no particular), deve ele adotar providências no sentido de determinar ao autor da ação que possibilite o chamamento dos demais litisconsortes, com a devida intimação, a fim de tomarem ciência da existência da ação, para, querendo, virem integrar o polo ativo.

Adicionalmente, em reforço argumentativo, é pertinente ressaltar que a própria lógica aplicada na análise dos casos paradigmáticos, em consonância com os ensinamentos do CPC, reforça a impossibilidade de classificar a consolidação substancial como um litisconsórcio facultativo.

É importante observar que, na maioria dos casos, a consolidação substancial ocorre em fases avançadas do processo, seja por análise do administrador judicial ou por requerimento dos credores. Nesse contexto, vale lembrar que o direito brasileiro não admite o litisconsórcio facultativo posterior, conforme apontam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery2: "o litisconsórcio deve ser formado no início da relação processual, normalmente pela petição inicial. O único caso de litisconsórcio posterior permitido pelo direito brasileiro é o litisconsórcio necessário não íntegro. [...] Não se admite, em nosso sistema, o litisconsórcio facultativo posterior".

Nessa esfera, acatando a possibilidade de decretação de ofício da consolidação substancial e a consequente formação de um litisconsórcio ativo necessário, a Corte Superior concluiu ser possível ao julgador determinar, em situações excepcionais, a inclusão de litisconsorte necessário no polo ativo da ação, sob pena de, não atendida a determinação, o processo ser extinto sem resolução do mérito.

 

Fonte: Migalhas.

As configurações de cookies neste site são definidas para que possamos dar-lhe a melhor experiência enquanto estiver aqui.
Clicando em "Aceitar" você concorda em armazenar cookies no seu dispositivo.   Termos de Uso/Cookies | Política de Privacidade