Notícia

Recuperação judicial dos clubes de futebol

31/01/2019

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A expressão "clube de futebol falido" vem perseguindo o ideário deste esporte há muito tempo no Brasil.

 

Talvez o seu time do coração já tenha padecido deste rótulo outrora. O termo costuma ser empregado para se referir a agremiações desportivas submersas em passivo milionário, resultado de administrações desmedidas, pouco profissionais, com receitas penhoradas ou bloqueadas para satisfazer credores, patrimônio social desassistido e capacidade de investimento inexistente.

 

O cenário é ainda mais agonizante nos clubes pequenos - aqueles que disputam da Série C em diante - que, de vez em quando, se veem envolvidos em realizações de praças para a arrematação de seus estádios e/ou sedes sociais.

 

As dívidas das entidades desportivas devem ser tratadas de forma global, num ambiente altamente propício à reestruturação

 

Nesses, os juros de mora fazem crescer exponencialmente o débito milionário e a arrecadação, quando não encolhe ou permanece no mesmo patamar pela falta de patrocinadores e novos sócios estatutários e/ou sócios torcedores, aumenta aritmeticamente, expandindo os déficits.

 

Já os chamados clubes grandes - que possuem maior quantidade de torcedores, maior faturamento, repercussão social mais acentuada de seu dia a dia e costumam disputar as primeiras colocações da primeira divisão - também sobrevivem financeiramente graças aos mais diversos artifícios jurídicos, como: atos de concentração de execuções trabalhistas nos diversos Tribunais Regionais Trabalhistas e parcelamentos fiscais especiais, a exemplo do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut) - Lei 13.155/15.

 

É nesse contexto que se insere o tema deste breve artigo. Esses clubes, em sua grande maioria, apesar de estarem formalmente organizados como associações civis, se comportam como verdadeiras sociedades empresárias em diversos aspectos. Ou seja, a importância econômica dessas entidades, em alguns casos, se sobrepõe às sociedades empresárias, gerando milhares de empregos direitos e indiretos, sendo capazes de circular grande quantidade de capital na economia do país.

 

Nesse contexto, no lugar de remendos pontuais e isolados para manter as agremiações desportivas respirando, ainda que sob a sensação genérica da torcida e dos sócios estatutários de se estar diante de um "clube de futebol falido", causando por si só certa insegurança jurídica e tornando mais agudas as crises políticas internas, não há dúvidas de que as dívidas das entidades desportivas devem ser tratadas de forma global, num ambiente altamente propício à reestruturação administrativa e financeira, como o da Recuperação Judicial (Lei 11.101/05).

Propício, pois trata-se de um ambiente com regras processuais predefinidas, que trazem conforto, previsibilidade e segurança jurídica a todas as partes, sobretudo aos credores e eventuais investidores.

 

Com relação a profanada ilegitimidade ativa, duas correntes se apresentam para tratar do referido tema. A primeira, mais conservadora, positivista e literal, compreende que somente as entidades desportivas que se constituírem sob a forma de sociedade empresária podem postular recuperação judicial.

 

Isto porque o art. 1º da Lei 11.101/05 determina que esta lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor. Dessa forma, segundo a linha de entendimento, a legislação pertinente à recuperação judicial se mantém aplicável tão somente ao empresário e à sociedade empresária.

 

Porém, a segunda corrente, mais principiológica, sistemática e teleológica, entende ser possível juridicamente entidades desportivas, constituídas como associações civis sem fins lucrativos, postularem recuperação judicial, na forma da Lei 11.101/05.

 

Um dos pressupostos adotados nessa tese é a ideia de que as leis não devem ser interpretadas de forma isolada, utilizando, assim, a teoria do diálogo das fontes, segundo a qual o ordenamento jurídico deve ser interpretado de forma sistemática, conjunta e unitária.

 

Dialogando com as fontes normativas (Leis 11.101/05 e 9.615/98) e considerando a atividade desenvolvida pelos clubes - que passou, mais recentemente, por um processo de mercantilização, tornando-se verdadeira atividade mercantil e devendo as associações civis desportivas ser encaradas, por isso, como sociedades empresárias de fato - obtêm-se a possibilidade jurídica da postulação de recuperação judicial por parte dos clubes constituídos como associações civis.

 

Seja qual for o posicionamento adotado pelo leitor, de todo modo, com o advento do Projeto de Lei 10.220/18, de iniciativa do presidente da República, ainda em fase inicial de tramitação na Câmara dos Deputados, surge nova oportunidade de, por intermédio da evolução legislativa, promover a devida pacificação quanto à mencionada controvérsia concursal-desportiva, bem como quanto aos mais diversos agentes econômicos que, segundo a corrente conservadora, estariam excluídos da Lei 11.101/05.

 

Autor: 

Pedro Freitas Teixeira e Vanderson Maçullo Brafa Filho

Fonte: 

Valor Econômico

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