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A responsabilidade tributária de grupos econômicos de fato

10/07/2019

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A coluna de hoje pretende abordar um tema bastante espinhoso e cuja discussão, embora recorrente no âmbito da 3ª Seção do Carf, também é alvo de calorosos debates nas demais seções daquele tribunal administrativo. Trata-se da discussão acerca do conceito de “interesse comum” para fins de responsabilização tributária de grupos econômicos de fato.

É muito comum, em certas autuações fiscais, verificar-se a responsabilização de diferentes pessoas jurídicas ao fundamento de existir um grupo econômico de fato e, por conseguinte, um “interesse comum” entre tais pessoas na realização do fato gerador que enseja a correlata autuação. Em regra, sob uma perspectiva normativa, tais exigências costumam se fundamentar no disposto no artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional.

A partir deste marco, a discussão comumente travada nos recursos que chegam ao Carf é no sentido de delimitar a extensão semântica da expressão “interesse comum”, ou seja, se para fins de incidência do aludido dispositivo bastaria a existência de um interesse econômico ou se, em verdade, haveria a exigência de um interesse jurídico a fundamentar a citada responsabilização. Pois bem.

Na 3ª Seção do tribunal, o Acórdão Carf 9303­-008.391, da Câmara Superior de Recursos Fiscais, dá a tônica da discussão. Embora tenha tratado de responsabilidade tributária de pessoa física com o fito de afastá-la no caso em concreto, aquele colegiado, por unanimidade de votos, prescreveu que naquele específico caso não haveria elementos para comprovar que ele tinha interesse comum na situação que constitua a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, pois não há provas de que ele se beneficiava dos resultados auferidos ou que participava dos lucros decorrentes das operações irregulares, caracterizadas como sonegação fiscal.

Do trecho alhures transcrito, resta claro que, para aludido colegiado, o conceito de interesse comum está relacionado com a ideia de interesse econômico, haja vista que o elemento fundamental para delimitar a ratio do julgado foi no sentido de o responsabilizado não auferir vantagens econômicas com a prática do fato gerador realizado pelo contribuinte.

No âmbito da 1ª Seção é exemplar o Acórdão Carf 1301­-003.472. Neste caso em particular, o relator deixou expressamente consignado que o conceito de “interesse comum” não é equivalente ao de interesse econômico, bem como que o simples fato de pessoas integrarem o mesmo grupo econômico, por si só, não é suficiente para a responsabilização solidária. Conclui, ainda, que para que haja o citado interesse comum é necessário a configuração de uma das duas hipóteses a seguir:

(i) a existência de um interesse direto e não meramente reflexo na prática do fato gerador, o que acontece quando as pessoas atuam em comum na situação que constitui o fato imponível; e, ainda

(ii) quando há um interesse indireto na prática do fato gerador, mas desde que

(ii.i) reste configurada a existência de uma confusão patrimonial; e/ou

(ii.ii) fique provado o benefício do responsabilizado em razão da existência de fraude, sonegação ou conluio.

No caso mencionado acima, o colegiado, por maioria de votos, entendeu que haveria o interesse comum em razão da configuração de uma fraude, na medida em que teria restado provado que a empresa responsabilizada teria atuado como intermediária em um esquema para a emissão de notas frias, emissões essas incompatíveis com a estrutura operacional da responsabilizada. Interessante destacar que o voto dissidente, objeto de declaração, não diverge das questões conceituais desenvolvidas pelo relator, mas conclui em sentido diametralmente oposto apenas por não coadunar com a qualificação jurídica atribuída as provas do caso, na medida em que entendeu pela inexistência da referida fraude.

Também é bastante interessante o Acórdão Carf 1402­-002.511. Aqui o colegiado, por maioria de votos, afastou a acusação de grupo econômico e, por conseguinte, de interesse comum para fins de responsabilidade tributária ao fundamento que para ocorrer a responsabilização solidária prevista no artigo 124 do CTN é necessária a constatação e a prova da participação conjunta de pessoas, como referido na sua redação, quando da ocorrência do fato gerador, devendo serem estas diretos co-partícipes das infrações percebidas pelo Fisco.

Em suma, referido voto parte da premissa que o interesse apto a ensejar a responsabilização tributária não é o meramente econômico, mas é aquele de viés jurídico, o que se configura com a partilha do mesmo fato gerador do tributo pelos diferentes sujeitos passivos, o que está em sintonia com a tradicional doutrina para o tema.

Aludido voto deixa claro que, embora no caso em questão havia uma nítida “relação de controle, dentro de um inegável ambiente de grupo empresarial”, o que, ainda conforme destacado no voto, poderia até implicar a eventual configuração de uma confusão patrimonial entre as empresas autuadas, mas que tal fato, per se, não se enquadraria no tipo do artigo 124, inciso I do CTN. Embora não explicite isso, quer parecer que a citada decisão parte do pressuposto que o fundamento legal para a configuração de responsabilidade tributária de grupos econômicos de fato seria o artigo 50 do Código Civil, e não o artigo 124, inciso I do CTN.

Por fim, no âmbito da 2ª Seção do Carf, convém destacar o Acórdão 9202­-006.946, da Câmara Superior de Recursos Fiscais. Segundo o entendimento lá esposado por maioria de votos, na hipótese de grupo econômico, a responsabilização poderia pautar-se em um dos dois incisos do artigo 124 do CTN. Na hipótese de fundamentação com base no inciso I do citado prescritivo legal, o ônus probatório quanto à existência de um interesse comum seria do Fisco, o que, no caso em julgamento, não teria ficado provado. Por sua vez, tal responsabilização também poderia fundar-se no inciso II do artigo 124 do CTN, o que demandaria a conjugação de tal dispositivo com o prescrito no artigo 30, inciso IX da Lei 8.212/91. Nesta hipótese, segundo maioria do colegiado, a fiscalização estaria desonerada de provar a existência do citado “interesse comum”, seja qual for o seu conteúdo.

Da análise dos sobreditos julgados é possível constatar que a discussão ainda é dividida no Carf e que poderia ser assim delimitada:

  • parte do tribunal entende que para a configuração de “interesse comum” bastaria a existência de um interesse econômico por parte do responsabilizado na ocorrência do fato gerador do tributo;
  • por sua vez, parcela do tribunal entende que não bastaria a existência de um interesse econômico, cobrando, pois, a existência de um interesse jurídico, o qual poderia ser configurado pela existência de uma confusão patrimonial ou mesmo uma coparticipação na realização do fato gerador do tributo; e, por fim
  • há ainda uma terceira corrente que admite a possibilidade desta responsabilização com a supressão desta discussão (interesse econômico x interesse jurídico), desde que a exigência fiscal tenha se pautado no artigo 124, inciso II do CTN, c.c. o artigo 30, inciso IX da Lei 8.212/91.

Tal divergência jurisprudencial, embora não seja desejável para fins de segurança jurídica, é em certa medida compreensível, já que se trata de um tema bastante complexo e até hoje muito debatido tanto no âmbito doutrinário quanto na seara judicial.

*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 

Autor:

Diego Diniz Ribeiro

Fonte:

Conjur