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A importância do aval na garantia do crédito

11/11/2019

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No Brasil a reestruturação da atividade empresarial em crise sempre passou pela concessão de algum benefício aos devedores, na tentativa de se evitar a insolvência e conferir uma última oportunidade para que essas empresas satisfaçam suas obrigações, na medida do possível. Desde 1945, se a crise da empresa for temporária ou reversível, a matéria se submete ao regime da concordata. Mas se a crise for definitiva ou irreversível, a falência se apresenta como forma de rápida retirada do empresário do mercado, de apuração de seu passivo concursal, de arrecadação de seus bens, e da tentativa quase sempre frustrada de pagamento dos credores.

Esse regime legal da concordata vigorou no Brasil até o ano de 2005, quando a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, sob a relatoria do senador Ramez Tebet, remodelou o regime de insolvência e aprovou o projeto que deu origem à Lei nº 11.101, de 2005.

Passados 13 anos de sua vigência, surgiu a necessidade de reforma na Lei de Falências, tarefa para a qual o governo anterior do presidente Temer criou, em 2018, um grupo de trabalho no Ministério da Economia altamente qualificado, que interagiu com diversos segmentos da sociedade: acadêmicos, magistrados, advogados, entidades ligadas à indústria, ao comércio e ao setor financeiro. Dessa iniciativa surgiu o Projeto de Lei (PL) nº 10.220, com a proposta de reformulação ampla na lei atual, que desde 2018 aguarda tramitação na Câmara dos Deputados.

Como ponto de equilíbrio entre a necessidade de atualização e revisão do processo de recuperação judicial e agilização da arrecadação e liquidação de ativos na falência, mas respeitando o eixo estrutural dos procedimentos já previstos na lei vigente, o deputado federal Hugo Leal, em iniciativa digna de todos os aplausos, reuniu um seleto grupo de especialistas no tema, e produziu um texto substitutivo ao PL nº 10.220, de 2018, com uma proposta “minimalista” de aprimorar a legislação atual, exclusivamente nos pontos que se mostraram pouco eficientes em satisfazer os interesses dos credores e, ao mesmo tempo, permitir a reorganização da atividade empresarial.

Dentre as novidades, é digna de nota a inovação que trata da possibilidade de um plano de recuperação ser apresentado pelos credores da empresa em crise, na hipótese de não aprovação do plano de recuperação apresentado pela devedora. O ineditismo dessa disposição é, na prática, uma alternativa derradeira para se evitar a decretação da falência, uma vez que, hoje, a rejeição do plano de recuperação não deixa alternativa ao juiz, senão o decreto de quebra.

Porém, ao lado das importantes inovações, o substitutivo do deputado Hugo Leal apresentou um retrocesso no sistema de garantias, ao permitir que, na hipótese de apresentação de plano de recuperação pelos credores, se opere a “isenção das garantias pessoais prestadas pelos sócios em relação aos créditos a serem novados”. Esta disposição, tal como proposta no substitutivo, produzirá deletérios efeitos econômicos e importantes conflitos no campo jurídico.

Sob o aspecto econômico, a consequência prática será a elevação do custo do capital e retração da oferta de crédito, na medida em que será descumprido o que foi contratado (crédito com garantia pessoal de sócio). As empresas que só têm acesso ao crédito em razão de suas garantias perderão essa possibilidade, contrariando frontalmente a premissa de “fomento ao crédito”, um dos pilares do substitutivo.

Em qualquer das formas atualmente existentes de garantia pessoal, a declaração de consentimento de quem a outorga é um ato jurídico perfeito, e, em prol da segurança jurídica, esse ato não é emitido de forma condicional. Ou se presta uma garantia ou não.

Se aprovado o substitutivo, haverá uma nova forma de aval existente apenas no Brasil, o “aval condicional” - que só vinculará o avalista se não houver um plano apresentado pelos credores da empresa em recuperação. Caso exista esse plano dos credores, o texto substitutivo prevê a isenção automática do aval e de qualquer outra garantia pessoal prestada pelo sócio da empresa em crise.

O Brasil será o único país, dentre os 54 países que subscreveram a convenção de Genebra e adotaram uma lei uniforme para os títulos de crédito, com esse “aval condicional”. A Lei Americana - Chapter 11 do Bankruptcy Code (Section 524), no qual a nossa lei parcialmente se inspira, proíbe que os benefícios resultantes do plano de recuperação se estendam a terceiros garantidores, o que inclui o avalista. Na mesma linha seguem Portugal e Alemanha, entre outros.

Como na recuperação judicial a apresentação (ou não) de plano de recuperação pelos credores é a penúltima fase do processo, antes da homologação do plano ou da falência, o substitutivo, se aprovado, poderá suspender as execuções até que se constate se a condição de resolução do aval (plano dos credores) se operou ou não. Como o tempo é inimigo do processo e como um processo longo nunca será eficaz, a conclusão que se alcança é que, a permanecer essa disposição do substitutivo (uma das poucas ou até mesmo a única exceção ao científico, democrático, cuidadoso e louvável trabalho envolvido nesse projeto de lei), o aval de sócio passará a ser altamente fragilizado, modificado em sua natureza jurídica, e será o grande responsável pela retração da oferta de crédito.

 

Autor:

Marcio Calil de Assumpção e António Aires

Fonte:

Valor Econômico

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